Em Hollywood, quando os produtores vão vender filmes aos patrocinadores, eles às vezes buscam analogias que façam o engravatado entender rapidamente em uma linha sobre o que é o filme em questão.
Dar um exemplo: um filme da Marvel sobre o “Namor” poderia ser vendido como: “É Homem-Aranha debaixo d’água”! “Vampire Diaries” poderia ser resumido como: “Crepúsculo com vampiros que queimam no sol”. “Prince of Persia” seria “Piratas do Caribe nas Arábias”.
Entenderam a coisa? O que importa é o engravatado que cuida do dinheiro entender rapidamente qual o público e se ele gostaria de encarar o risco.
E para vender “Percy Jackson” algum produtor com certeza virou para algum engravatado e disse: “É Harry Potter com deuses gregos!”.
A afirmação deve ter feito os engravatados sorrirem de orelha a orelha.
E eles deveriam mesmo; dando certo, a idéia tinha tudo para encher os bolsos deles por uma sequência de cinco filmes.
(“Eu não quero dar dinheiro para outro Eragon, hein, p&$%@?”) |
O problema foi que, na mesma reunião, havia algum cidadão que não deveria estar lá, e provavelmente disse algo como: “Já sei! Pra diminuir a margem de erro, vamos chamar o diretor do primeiro Harry Potter pra fazer!”
Esse cara ferrou a reunião toda.
Mas antes de falarmos sobre a adaptação cinematográfica, vamos nos concentrar primeiro no livro.
Roubando Raios
Já vou avisando desde já: li até agora apenas o primeiro livro da série, exatamente o “O Ladrão de Raios”.
A história narra a saga de Perseu Jackson, um moleque irritadiço de 12 anos, que descobre ser um semideus. Isso deveria ser bom, mas só traz ainda mais problemas pro adolescente revolts. Como ele vive em uma New York sem muita emoção, ao lado da mãe submissa e do padrasto vagabundo, isso em muito não contribui para que ele melhore sua fama de disléxio e hiperativo (yep, hiperativo, mas não sedentário…).
Acusado de roubar o raio do tio Zeus, ele tem de aprender a virar herói na marra, descobrir o verdadeiro culpado, treinar com outros filhos dos deuses, sobreviver ao Inferno, resgatar a mãe e perdoar o pai.
Bastante coisa para um moleque cheio de hormônios.
Minha opinião logo de cara: “O Ladrão de Raios” é um livro muito bem escrito.
Como Rick Riordan é professor, ele sabe pra que público ele fala. E esse é e sempre será um ponto chave de todo escritor bem sucedido.
Logo, desde cedo Riordan sabia que estava escrevendo para um público infanto-juvenil. E essa classificação, embora muitas vezes perigosa, aqui se aplica perfeitamente.
Cito isso porque qualquer obra de fantasia é taxada pela livraria de infanto-juvenil, até porque esse é o nome dedicado a essa seção de livros nas lojas.
“Eragon”, “Senhor dos Anéis”, “Sangue de Tinta” e outros livros que não têm nada de infantil, recebem a classificação. Mesmo “Dragões de Éter”, que é classificado pela editora como “juvenil”, é encontrado como “infanto-juvenil” de vez em quando.
No caso de “O Ladrão de Raios” não. O livro realmente é infanto. E juvenil.
E isso pode ser uma virtude ou um problema, dependendo de que tipo de leitor você é hoje em dia e o que espera de uma obra do tipo.
De fato, o personagem Perseu tem 12 anos, os coadjuvantes ao redor acompanham esse perfil psicológico. Em muitas vezes, o tom do livro é infantil. Bem escrito, mas infantil.
Contudo, os primeiros Harry Potter também passaram pela mesma situação e conquistaram leitores de todas as idades que não se importavam com isso. O caso é o mesmo; se você não se importar, vá fundo.
Se se importar, já está avisado.
Riordan também é um escritor que tem ritmo. Ele mantém “coisas acontecendo”, seguindo a tendência cinematográfica de mover a história mais do que a psicologia dos personagens. Isso gera aquele tipo de histórias em que as páginas vão sendo viradas rapidamente e, de repente, acabou o livro.
A obra trabalha com os “portos seguros” de obras juvenis. Da mesma forma como Hollywood usa artifícios repetidos para diminuir o risco de investimentos em filmes (experimente tentar vender a um produtor de Hollywood um roteiro sem um casal na história, por exemplo, só de teste…), a estrutura desse gênero também se utiliza de artifícios que autoras como Cornelia Funke brincam e reinventam, mas outros preferem não arriscar demais e acrescentar tempero apenas aos pratos mais conhecidos.Isso é normal. Todas as histórias hoje em dia já foram contadas, logo, é a diferença na forma entre elas que separa os meninos dos homens.
Outro ponto positivo da narrativa do livro é o bom humor, baseado no mau humor revolts de Perseu Jackson.
hoje em dia é assim: ou o herói é revolts, ou se parece com o Justin Bieber, ou os dois… |
As referências aos deuses gregos são bem adaptadas, até pela especialidade de Riordan como professor, mas mais do que isso, são suavizadas. Quem conhece mitologia sabe que esses deuses não eram lá um exemplo de boa conduta e faziam coisas de deixar os pais adeptos da boa conduta de cabelos em pé.
Logo, Riordan suavizou essa adaptação. Não se vê referências à orgias ou coisas do tipo, e ainda existe um apelo pedagógico que ajudou o livro a ser bem visto pelos professores. Isso é outro grande feito de Riordan: além de estimular os jovens a ler, ainda os estimula a estudar.
O que também é bem inteligente é a justificativa pensada para a existência de deuses gregos no mundo moderno.
Originalmente os mitos dos deuses e histórias do tipo foram criados para explicar coisas que o homem não conseguia entender sem o pensamento científico. No livro, Riordan inteligentemente inverte isso. A história defende sim que o pensamento científico nasceu para exatamente explicar as ações dos deuses que os humanos não conseguiam compreender.
E o portal do Monte Olimpo no Empire States foi um barato!
Mas Riordan, contudo, teve um grande problema: como Eragon, ele infelizmente deixou que um agente vendesse os direitos de seu livro sem que ele tivesse controle sobre o produto final…
E na telona a história foi eletrocutada.
Ora Raios!
Ok, a melhor forma de entender o que fizeram com o livro no cinema é voltar àquela reunião em que os produtores discutiam sobre a possibilidade do engravatado dar dinheiro para a produção.
PRODUTOR 1: É uma maravilha esse projeto, você vai adorar investir nisso! Imagine “Harry Potter com deuses gregos”! Ouviu isso? Deuses gregos!
ENGRAVATADO (ainda desconfiado): Me mostre semelhanças…
PRODUTOR 2: Percy e Harry são moleques incompreendidos no mundo real, mas que são especiais em outro mundo mágico. Sabe como é, né? Essa coisa de “escolhido” sempre funciona!
PRODUTOR 1 (eufórico): E melhor: ao contrário do Harry que era meio tímido e medroso no início, Percy Jackson é desbocado e encrenqueiro que nem os heróis que os moleques de hoje gostam! Sabe, tipo aquele… Wolverine, sabe? Imagina isso? Wolverine com 12 anos?
PRODUTOR 2: É, nada de “trouxas” ou outros nomes do tipo! O negócio aqui é “Meio-Sangue”! A coisa aqui é mais sombria, sabe? Você viu quanto Tim Burton e Guilermo Del Toro andam fazendo? O negócio agora é personagem sombrio! Os moleques querem ver heróis revoltados!
PRODUTOR 1: Yaeh! É quase como uma volta aos tempos de James Dean! Roupas de couro, jaquetas de couro, óculos escuros! Por que você acha que Matrix deu tanto dinheiro com aquelas continuações horrorosas?
PRODUTOR 2: Esse filme pode ser quase um “The Dark Knight” juvenil! E sem Christian Bale xingando fotógrafos!
ENGRAVATADO (ainda desconfiado): E as semelhanças com Harry Potter param por aí?
PRODUTOR 1: Não, claro que não! Vamos, conte pra ele…
PRODUTOR 2: Sabe aquela idéia do trio, que a gente sempre usa nessas histórias? Está lá! Tem o coadjuvante esquisito, que identifica o problema, mas não sabe a solução e serve de alívio cômico.
PRODUTOR 1: Em vez de usarmos negros com sotaque e voz fina ou nerds gordinhos, nós temos um sátiro com pernas de bode! Pernas de bode! Pode isso? Os moleques vão achar muito cool!
ENGRAVATADO: Mas deveria ter um negro…
PRODUTOR 1: Tem uma medusa que é uma velha negra, que usa um véu…
ENGRAVATADO: Não, não. Medusa negra não. Coloca a medusa branca, chame a Urma Thuman! Vai ficar mais interessante pra fotografia.
PRODUTOR 2: Será que ela faria? Ela anda em alta desde Kill Bill…
PRODUTOR 1: Uma atriz que tenha trabalhado com Joel Schumacher em Batman & Robin aceita qualquer papel…
PRODUTOR 2: Verdade…
ENGRAVATADO: Mas ainda assim deveria haver um negro descolado e engraçado…
PRODUTOR 1: Sem problemas! O Grover pode ser negro, não pode?
PRODUTOR 2: Claro, por que não poderia? Aí tem também a menina inteligente que sabe a solução do problema, mas não sabe colocar em prática. E tem o líder, o Percy, que depois de indentificado e compreendido a solução, vai lá e coloca em prática!
PRODUTOR 1: É maravilhoso…
PRODUTOR 2 (emendando pra não deixar o engravatado pensar): E tem mais! No mundo mágico, em vez de uma Escola de Magia, eles vão pra um Acampamento! Sabe, um negócio estilo Escoteiros e tal? Só que aqui tem chalés que separam os filhos dos deuses e também os estimulam a competir entre si! E há ali uma mesa para cada chalé! E a comida aparece nos pratos! Puff! Sabe, estilo mágica?
PRODUTOR 1: Nós podemos até aproveitar o negativo e economizar nesses efeitos…
PRODUTOR 2: Em vez de capa da invisibilidade, (que já tá ultrapassado, já que nem super-herói usa capa hoje em dia) a menina usa um boné pra ficar invisível! E lembra daquela casa encrenqueira dos bruxos: Sonserina? No Acampamento também têm o pessoal de Ares, que possui a bandeira e tal, estilo Sonserina no Quadribol, até o Harry chegar e…
PRODUTOR 1: Percy…
PRODUTOR 2: Como?
PRODUTOR 1: Percy! Você tinha dito Harry…
PRODUTOR 2: Oh, não! Percy, Percy, claro!
ENGRAVATADO: Parece ter potencial. Mas acho idiota esse negócio de boné invisível! Quer dizer, depois vai ter um bando de moleque fazendo m@#$% por aí, achando que tá invisível com um boné na cabeça! E vão culpar o filme! Não vê o que esses videogames estão fazendo com a cabeça deles hoje em dia?
PRODUTOR 1: Ah, esqueça o negócio de boné! Nós podemos mudar pra outra coisa depois…
ENGRAVATADO: Poderia ser um arco e flecha! Funcionou com aquela garota do Nárnia…
PRODUTOR 2: Que GRANDE idéia! E, agora escute essa: tem o deus Cronos, sabe? Um deus que foi derrubado na Guerra dos Titãs! Mas que não gostou nada daquilo…
PRODUTOR 1: Nada. Não gostou nada…
PRODUTOR 2: Nem um pouco! E então o que ele pretende? Se reerguer! Entendeu? Nós temos a nossa própria versão de Lorde Voldemort!
PRODUTOR 1: Nós temos até um Luke na história!
ENGRAVATADO: Estilo o Skywalker?
PRODUTOR 1: Não, esse tem uma cicatriz e também…
ENGRAVATADO: Não, nada de cicatriz…
PRODUTOR 1: Como?
ENGRAVATADO: Não gosto de cicatrizes. Minha filha caiu de moto uma vez e ficou com uma enorme. Eu não gosto de lembrar disso…
PRODUTOR 1: Nossa, eu sinto muito.
PRODUTOR 2: Que triste. Nós entendemos como essas coisas mexem com a gente.
PRODUTOR 1: Então sem cicatrizes!
PRODUTOR 2: Sem cicatrizes e não se fala mais nisso! A gente tem outros artifícios! Nós temos o elmo de Hades, o Oráculo, Persefones, o Pan, o Argos…
ENGRAVATADO: Não, não, isso tudo vai confundir o público. O filme não se chama “O Ladrão de Raios”? Então é nisso que tem de se concentrar. Um moleque atrás de um raio. Pronto!
PRODUTOR 1: Perfeito. O senhor tem absoluta razão…
ENGRAVATADO: E ele voa nesse filme também? Que nem o bruxo na vassoura? Ele monta no raio e sai por aí, ou algo do tipo?
PRODUTOR 1: Não, mas ele ganha um tênis de Hermes que nem é ele que usa…
ENGRAVATADO: Como não é ele? Não, no filme ele tem de usar! Pra gente vender depois pra molecada! E que tal algo mais moderno? Por que não usamos… sei lá… um tênis All Star? Já pensou? “Star”… “estrelas”… voar pras estrelas… entenderam?
PRODUTOR 2: O senhor está demais hoje…
ENGRAVATADO: E existe possibilidade de enfiar um iPod no roteiro? Tenho contatos com Jobs. Ele poderia enfiar uma verba no filme…
PRODUTOR 1: Mas É CLARO que existe!
PRODUTOR 2: Sempre existe…
ENGRAVATADO: Certo. Mas o que tem de ser levado em consideração é o seguinte: esse filme tem de atingir o mesmo público de Harry Potter, mas não pode parecer cópia, entenderam? Porque o negócio hoje é levar moleque pro cinema! E esses pirralhos só querem saber de baixar filmes! Ouvi dizer até que Cameron está pensando em levar gente rodando em 3D…
PRODUTOR 1: Cameron sempre foi maluco! Eles não vão recuperar nunca o investimento absurdo nesse tal filme…
PRODUTOR 2: É, ficção científica é um gênero morto. Só falta enterrar…
ENGRAVATADO: Mas eu não quero investir em um filme infantil, vou deixar bem claro! Com exceção de animação, filme pra público infantil é desperdício de dinheiro! Teria alguma forma da gente levar essas meninas histéricas pra esse filme? Dá pra colocar um vampiro no roteiro?
PRODUTOR 1: Vampiro? Hum… vampiro grego? Será que funciona?
PRODUTOR 2: Iria ficar meio ridículo. Mas nós poderíamos tentar botar o Taylor Lautner no filme! De repente pra fazer um centauro, que não usa camisa…
PRODUTOR 1: Não, parece que ele deve filmar Max Steel! Não vai ter agenda…
ENGRAVATADO: JÁ SEI! Esquece essa p#$$% de livro e filme infantil! Vamos colocar esses moleques com 16 ou 17 anos, dirigindo sem cinto e dormindo no volante, viajando em alucinações no meio de Las Vegas e fazendo um monte de m#$%$ pela cidade!
PRODUTOR 1: Cacete! Nós podemos ter a história do Harry Potter com atores de perfil de Crepúsculo fazendo as m#$%$ de Se Beber, Não Case!
PRODUTOR 2: Putz, isso vai render 3 vezes o investimento inicial!
Silêncio.ENGRAVATADO (após segundos de análise): Certo. E que garantias vocês me dão de que o filme, ainda que com essas mudanças, levará o mesmo público-família de Harry Potter aos cinemas?
PENETRA (em silêncio até então): Nós poderíamos chamar o mesmo diretor dos primeiros filmes…
***
Hades estará lhe esperando, penetra do Inferno…
***
ps1: e valendo um exemplar de sua escolha da série Percy Jackson dentre os comments, sobre o livro ou o filme, qual a sua opinião sobre “O Ladrão de Raios”?
ps2: e se o vencedor tiver anteriormente dado um RT nessa matéria, eu tento convencer a Intrínseca a mandar dois livros…
ps3: vou fazer o sorteio quando voltar ao final da Bienal de SP, ok?
1 Comentários:
è cara ficou uma cagada o filme. Acho que a história no filme ficou desconecta assim como vc comentou no texto-dialogo. Como muitos dos filmes inspirados em livros ficam devendo fazer oque neh.
Só falta ler os olimpianos pra eu terminar a serie o/
Postar um comentário